sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Finalmente meu ipê branco e 'citare'




Esta semana consegui esta foto, de um ipê recém florido; e localizar o texto, que me instigou a escrever este blog.


Citar vem do latim: citare. Referir ou transcrever (um texto) em apoio ao que se afirma, segundo o Aurélio. A língua que falamos no dia a dia favorece os tagarelas, soneteiros e os que falam pelos cotovelos. Quantas palavras imprecisas, ditas ao vento, são necessárias para descrever o silêncio? “Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar”, sintetizou o filósofo Wittgenstein.

Aforismos e epigramas, máximas e pensamentos, sentenças e ditos memoráveis nos lembram que tudo na vida é por aproximação, da matemática ao amor. E pode crer, “o que hoje é demonstrado, um dia foi apenas imaginado”, como afirma o poeta Blake.

Toda citação maior é uma espécie de pensamento lúcido, fragmento condensador de uma possível beleza-verdade, farol que ilumina o mundo em ruínas. A citação é nuvem “onde o sol cala”, como no Inferno de Dante: “No meio do caminho desta vida/ me vi perdido numa selva escura,/ solitário, sem sol e sem saída”.

Jorge Luis Borges era um escritor pródigo em citações. Rescreveu argumentos, lendas e fantasias de outros séculos. No ensaio intitulado “Livro”, Borges anota que, “certa vez, perguntaram a Bernard Shaw se ele acreditava que o Espírito Santo havia escrito a Bíblia. Ele respondeu: Todo livro que vale a pena ser relido foi escrito pelo Espírito Santo”. A bíblia não é nada mais do que um mosaico de citações, sermões e parábolas.

Lima Barreto dizia que “sábio é aquele que escreve livros com as opiniões dos outros”. Shaw diz que “a mais tola das ilusões é a que leva os homens a conceber-se como moralmente superiores aos que têm opiniões diferentes das suas”. Já Pessoa diz que “não ter opiniões é existir. Ter todas opiniões é ser poeta”.

Muitos leitores acreditam que os citadores são pensadores originais. Lucrécio achava que ”nada pode ser criado a partir do nada”. Já Andre Gide, por sua vez, diz que, “todas as coisas já estão ditas, mas, como ninguém escuta, é preciso recomeçar sempre”. A citação é uma lembrança do que “poderia-ter-sido”, do “não-mais” ou do “tarde-demais”. “O que não é destino é frivolidade”, diz Ortega e Gasset.

Poetas, filósofos, pregadores e animadores sempre foram mestres em citar o pensamento dos outros. Mas há quem use as sentenças para ter uma visão do mundo ou para simplesmente levar a vida. No entanto, “um fragmento tem de ser como uma pequena obra de arte, totalmente separado do mundo circundado e perfeito e acabado em si mesmo como um porco-espinho”, como muito bem definiu Friedrich Schlegel.

Erza Pound, que ditou as regras usadas pelos poetas concretos, era um citador dos tempos medievais, um reinventor dos caracteres (ideogramas) orientais. Vivia com o nome de Confúcio e Bashô na ponta da língua. Já o visionário Nietzsche desenvolveu toda a sua filosofia a partir dos pensadores gregos. Seu pensamento filosófico é uma trama de fragmentos, máximas e relâmpagos. Para ele, “aquele que escreve em sangue e em máximas não quer ser lido, mas aprendido de cor.”

James Joyce, em “Ulisses”, afirma que, “depois de Deus, Shakespeare foi quem mais criou”. Segundo Shakespeare, “a vida é uma história narrada por um idiota, cheia de barulho e fúria, não significando nada”. Machado de Assis diz que, “não se comenta Shakespeare, admira-se”.

Mas voltando ao irlandês Joyce, pode-se dizer que a sua obra serviu como fonte de idéias, e ainda recurso estilístico para a construção da obra de Samuel Beckett. Joyce bebeu nas águas profundas da memória de Proust. Segundo Dino Buzzatti, “todos os escritores e artistas, não importa por quanto tempo vivam, dizem somente uma única e mesma coisa”.

“A República”, de Platão, outro exemplo de livro de citações, é uma narrativa, discussão dialética encabeçada por Sócrates a um auditório anônimo. Segundo Goethe, a dialética é um desenvolvimento do espírito de contradição, dado ao homem para que ele aprenda a reconhecer a diferença das coisas.

Michel de Montaigne, autor da sentença que diz que ”filosofar é aprender a morrer”, e inventor do gênero ensaio que vem a ser “uma experiência sentimental do intelecto”, é um mestre em ilustrar seus textos com a fala clássica de Homero, Ovídio, Sêneca.

O pensador romano Pompeu é o autor do célebre dístico que diz “navegar é preciso, viver não é preciso”. Esta sentença popular também foi citada por Plutarco e pelo poeta Fernando Pessoa. “E para que poetas em tempos de miséria?”, perguntava Horderlin. Segundo Murilo Mendes, “o sofrimento dos poetas, dos artistas e dos santos torna-se o estrume espiritual da humanidade”.

“Deus está nos detalhes”, disse o arquiteto alemão Mies Van de R. e o romancista Guimarães Rosa. “Ao diabo com os detalhes, a posteridade é cega a todos eles”, segundo Voltaire. Para Emil Michel Cioran, “ as religiões morrem por falta de paradoxos”. Mas “que melhor dom podemos esperar que o de sermos insignificantes?”, pergunta Jorge Luis Borges. Também não deveríamos esquecer que, “se, na hora da morte de um homem, toda a compaixão dos outros homens se juntasse para impedi-lo de partir, esse homem não morreria”, afirma o poeta César Vallejo. Mas para Maiakoviski, “a morte não é difícil. Difícil é a vida e o seu ofício”.

A citação nos leva a um livro, a um lugar qualquer, a um tempo exato. Desafia a realidade, ensina a ver o mundo com os olhos dos outros e a conhecer as coisas do nosso jeito de ser. “Ser ou não ser, eis a questão”. Freud afirma que “sou onde não penso”. “Nada do que é humano me é estranho”, pensa Terêncio. Esse era um dos aforismos preferidos de karl Kraus, especialista em citar para ironizar.

Um aforismo é a síntese do conhecimento. Kraus diz que um aforismo jamais diz a verdade; ele sempre diz uma meia verdade, ele sempre diz uma verdade e meia.

Pedro Maciel

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